Tratando das cicatrizes


Não aprendi a dizer adeus a tudo que via, mesmo que não convivia.

Porém, tenho que aceitar que as cicatrizes que ficaram, na cegueira adquirida, não são suficientes para que não enxergue mais.

Afinal, tenho paz, sinto cheiro, ouço, experimento e canto. Vivo bem, tenho até mais do que os olhos alcançam e não tocam.

Pois muitos têm a visão externa, mas não conseguem enxergar a beleza da alma, do cheiro e do paladar.
Não conseguem compreender o que realmente é ver, tendo que conviver com uma pessoa cega e experimentar da sua vida, para aí talvez entender.

Sei que não é fácil tratar das cicatrizes, principalmente porque a sociedade cega em seu egoísmo, não enxerga aquele com limitação no olhar, retirando dele a vontade de explicar, de ser livre e sonhar.

Querem que quando estiverem falando tenham olhar fixo no interlocutor para sua voz ter valor, sem enxergar sua alma que clama por amor.

Querem que o cego entenda o gesto e replique, como um cumprimento a distância, um sorriso labial, um movimento sem som, que nem se quer dá condição ao cego saber de onde vem, quanto mais retribuir como aquele que enxerga, pensa que deveria ser.

Mas o que não vejo mesmo, é como deve ser.

Toda forma de amor vale a pena. Isso ultimamente está sendo muito declarado. Aí, quando se trata da pessoa com deficiência, é simplesmente ignorado.

Temos muito mais cicatrizes deixadas pela ignorância a nosso respeito, do que pela ausência de cores, rosto e tudo que os olhos permitem observar.
Então não custa nada a sociedade empática nos fazer enxergar.

Abraço não precisa de olhos, amor não enxerga aparências, solidão nem tudo que enxerga é suficiente para preencher o vazio que ela produz.

É mais fácil retirar as travas dos olhos e assim produzir ao cego nova luz.

Uma luz solidária, com ternura, compreenção e, principalmente, valorizando todo tipo de aptidão.

Desafio agora então a perguntar claramente, quem aqui em Roraima, e talvez no Brasil, sendo um casal cego, foi capaz de adotar uma criança com deficiência.

Não estou com isso me vangloriando, pois a gestação esconde o futuro do filho que virá, da mesma forma a adoção, não sabe quem irá acolher. No entanto nem a biológica ou adotiva, tem o direito de rejeitar.
Acredito tanto nisso que sei que Jesus sempre ajuda a cuidar dos filhos que ele nos dá.

Mas deixo aqui meu testemunho só para mostrar que o cego também é capaz e que a cicatriz do preconceito e inferioridade é a mais difícil de tratar, dependendo de vocês para esta situação transformar.

*Escritora, psicóloga, palestrante, esposa, mãe e cega com grande visão interna.
Adquira meu livro Enxergando o Sucesso com as Mãos
Cel 95 991687731
Blog enxergandocomosdedos.blogspot.com.br

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