ADESTRAR OU REABILITAR

O ser humano é dotado de tal inteligência que o possibilita ser versátil, encontrando seu jeito de fazer, coisas peculiares que outras pessoas utilizam de outras formas para realiza-las.

Mesmo os com deficiências físicas, intelectuais e sensoriais, até aqueles com deficiências múltiplas; são capazes de realizar ações, que para outros que não as possui, imaginam ser impossível.

Esta falta de compreensão, acaba por vezes colocando-os estereótipos totalmente preconceituosos e irreais; tendo por habito fazer deles marionetes e adestra-los em vez de reabilita-los.

Participei da comemoração natalina do "Viva Comunidade", e embora muitas apresentações foram emocionantes, ao ficar sabendo que uma pessoa com deficiência intelectual é capaz de  superar suas limitações e do seu jeito fizeram apresentações lindas. Algo me chamou muito a atenção, e perdi o sono por causa disto, o que fez-me manifestar.

Qual o intuito de um professor bater palmas para que uma criança cega o encontrasse no palco, e então ele a afagava, pegava-a no colo e dançava um pouco com ela, depois ajudava ela a realizar alguns gestos e se afastava;; mais uma vez batendo palmas até que outra vez ela o encontrasse pelo som das palmas...

Sou cega e não posso admitir um condicionamento deste. Alguém pode me explicar como adestramos os animais?

Uma pessoa que nasceu cega, embora ela talvez tenha outra deficiência, o que não é do meu conhecimento, mas uma coisa eu sei, ela escuta, ao contrário não escutaria as palmas. No entanto a reabilitação consiste em cursos de orientação e mobilidade com a "bengala guia", o que as permitiria locomover-se sozinha, e como lá era um local sem piso tátil e sem um meio fio, era bem mais complicado ela orientar-se; por isto o professor poderia chama-la pelo nome e ela seguiria o som da sua voz, indo ao seu encontro. Ainda assim era algo meio estranho, mas se explicassem que ela por ser criança, estava aprendendo a locomoção a pouco tempo, poderia ser uma linda apresentação.

Não tem como fazer as pessoas com deficiência viverem sem limites, afinal são limitadas de alguma forma pela ausência de um ou mais sentidos. O que dá para fazer, é proporcionar-lhes boas condições para viverem bem com os limites que possuem.

Sou cega e afirmo com a limitação que tenho; não poderei ser pintora de telas ou quadros, não poderei ser costureira, não poderei ser dentista, não poderei ser motorista, não poderei ser fotógrafa etc. Com certeza vocês que não possuem deficiências aparentes, tem inúmeras tarefas e profissões que não conseguirão exercer. Mas posso ser advogada, psicóloga, telefonista, programadora, terapeuta corporal, mãe, digitadora, etc e conseguirei fazer bem feito com autonomia estas tarefas, contanto que tenha oportunidade e condições adequadas para estudar e me reabilitar com acessibilidade, de acordo com as minhas necessidades.

O errado é fazer da inclusão "um faz de conta", onde eu faço de conta que sou capaz e os outros fazem de conta que acreditam, para que eu fique feliz de faz de conta, mas na verdade ninguém me valoriza, e quando vou para o mundo do trabalho, é para preencher as cotas, e não para ser útil.

Sou servidora pública, dona de casa, mãe e psicóloga e nisto sou muito capaz, não podendo permitir que todos sejamos colocados na mesma "categoria", e por falta de uma inclusão séria que desenvolva o potencial verdadeiro do que a pessoa com deficiência é capaz de realizar, colocam-nos todos com deficiências múltiplas severas e totalmente incapazes, desacreditando das nossas reabilitações e formas individuais de encontrarmos condições de realizar bem feito o que conseguirmos fazer.

Portanto aproximem-se das pessoas com deficiência, forneçam-as oportunidades e acreditem nelas, para que elas mostrem seus potenciais.

  "Nada por Nós, sem a nossa participação".
(1º Mandamento da Convenção da ONU com poder Constitucional.)

 Vera Sábio
Psicóloga, palestrante, servidora pública, esposa, mãe e cega
 CRP: 20/04509

vera.sabio@tjrr.jus.br

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